segunda-feira, fevereiro 06, 2017

VERSOS URBANOS – IX

Estou no décimo andar
de um arranha-céus fracassado,
que nasceu centro-comercial
e virou residência de rostos feios,
paredes esburacadas,
rebocos caindo,
pernas cansadas,
fios soltos,
homens loucos,
num emaranhado
destrambelhado
de decadência ritual...

Gente soturna
caminha desesperanças
pelos corredores escuros
sem ventilação adequada.
A desconfiança reina
nos olhares.
Sinto-me um deslocado
e resolvo entrar.

O apartamento é amplo,
construção antiga,
pé direito alto,
espaços bem articulados
com resquícios de art déco
no que ainda resta de estilo.
O cheiro é nauseabundo.

Transito de janela a janela
em busca de ar.
Há quanto tempo este
mofo não é aliviado?
Há um resíduo de dignidade
nos velhos móveis
dispostos pelos cômodos;
ali abandonados
desde que a avó do
meu amigo morrera.

Abro a janela da frente
e uma golfada de ar quente
invade o ambiente.
Olho pra rua...
o movimento dos carros,
os prédios frontais,
edifícios que marcam época
e que sinalizam
o deslocamento do centro
da cidade para outro eixo.

Suspense,
apreensão,
vazio.

A morte da velha,
as lágrimas do amigo,
os quadros nas paredes,
gavetas abertas,
o reencontro com o passado,
as cartas,
as fotografias,
a memorabilia
que propõe
um clima de saudade.

O que é dentro, é fora:
gente sombria e triste
apossou-se do lugar.
Não se investe,
não se ajeita,
simplesmente se arrasta
para o fim do mundo.

As pessoas morrem
junto com o seu lugar
numa simbiose
entre seres e coisas
em que as pessoas
vão ficando cinzentas
como as paredes desnutridas.

Abro uma das janelas dos fundos.
Há um amplo respiradouro
num espaço interno
para onde convergem
quatro blocos de prédios
e de onde se vê
a laje das sobrelojas.

Me atraem o olhar:
um violão quebrado,
um cão morto,
um gato vivo,
inúmeras sacolas plásticas
que denunciam restos, lixos.

Espere!
Há algo se movendo
por entre um monturo
de entulhos de obras.
Crianças pequenas e barrigudas
brincam seus vermes
por entre os resíduos de esperança.

Para onde caminha a humanidade?

Meu coração pergunta
em meio a decadência visual.
A poluição é sonora, olfativa
e, também, visual.
Um jovem casal faz sexo de pé
(com a janela aberta)
um andar inferior oposto
de onde estou
(se é que por lá exista janela).

Cerro as bandas
da janela de onde estou.
Volto-me para a sala
e meu amigo, sentado
na velha poltrona,
acaba de contar
os cem mil dólares
que encontrou na
velha pasta de couro
que foi de sua vó cabeluda.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,
18/01/2017 (05h43min).

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