segunda-feira, maio 18, 2015

CENA DIÁRIA

Minha mãe, silente, no sofá.
A sala começa a se apinhar
das crianças após o almoço
e ela assovia docemente
o nome de papai. Só ele entende
o “João” naquele silvo prolongado
que o traz de onde está pra, ao seu lado,
reger o culto doméstico da família.

O almoço pode ter sido simples
mas a refeição espiritual era farta.
Papai com seu vozerio marcante
tira um hino de sua predileção:
aos poucos todos seguem rateando.
É culto em família, mas é solene.
Cada criança tem que falar de cor
um versículo bíblico e seu endereço.
Ouve-se pedidos, faz-se orações,
lê-se o Manancial, mensagem do dia,
e um dos petizes é sorteado pra tal.

O Culto é oportunidade pro pai
passar a limpo a vida da gurizada.
Nos oito ele trata do comportamento
ouvindo um a um naquele apartamento
em que morávamos na infância.
Papai, naquela instância queria saber
como estávamos na escola, na igreja,
na vida, e em tudo. Sua questão
era tomar pé da situação e dar conselhos.

Era o culto doméstico também ocasião
de uns puxões de orelha e algo mais
que todos, aflitos, aguardávamos
quando havia um episódio precedente
(um sumiço de doce na geladeira
tipifica uma situação assim)
então, o encontro de família,
era oportunidade de perceber
o voo dos olhares inquietos
que naquela sala aconchegante
se dava no silêncio da alma.

Papai disciplinava, era rigoroso,
não queria nenhum dos filhos longe
do caminho para o céu que é Jesus.
Se tinha que ter castigo ele o dava:
queria os filhos agindo com correção.
E no Culto Doméstico, após o almoço,
com todos ali presentes, em comunhão
recebíamos do pai a comunicação
e do Pai do céu o eterno alimento
que até hoje, todos, sem exceção,
passados mais de quarenta anos –
sentimos o gosto nas vidas e famílias.

Um dia, papai se levantou e foi embora.
Mas, a cena marcante de sua oração,
e da espiritualidade, ficou na memória.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,

08 de Abril de 2015 (04h22min).

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