domingo, dezembro 28, 2014

FESTA JUNINA GOSPEL

Se você não sentiu o toque do Espírito,
não tem problema!
Ao seu redor tem muita gente parecendo sentir
(e, dizendo, sentir)
naquele auditório lotado (e em outros lugares também)
onde você se meteu, sabe-se lá por quê...
E houve até um que sentiu
e, estava em cadeiras de rodas, e você não viu.

O da cadeira de rodas surgiu trazido por alguém,
mas, tal figura era-lhe indiferente
porque você se fixava no alarido do local
e nas orações gritadas
e nas canções de fogo gospel
e nas palavras de ordem para Deus
tentando encontrar o tal milagre prometido.

E no meio daquilo tudo crianças brincavam
moças casadoiras desfilavam
barraquinhas de guloseima faziam a festa
até que o dirigente focou o da cadeira de rodas
e anunciou em alto e bom som
que o grande milagre da noite estava para acontecer.

Você se acostumou logo com a ideia:
- Um paralítico andar?
Isso não o impressionou.
E você voltou a pensar nos seus problemas
e nos motivos que o fizeram entrar naquele ginásio,
atraído pelo cartaz gigante,
naquela noite calorenta da serra
que se alongava por demais
no que parecia ser apenas uma festa junina gospel.

Então, o homem do palco apontou o dedo
na direção do da cadeira de rodas
e ordenou ao microfone tomado de chiados
eletrônicos: Levanta-te!
E o homem da cadeira de rodas levantou-se
len – ta – men – te
aprumou o corpo como que tentando
reencontrar o equilíbrio há muito perdido
ameaçou uns primeiros passos claudicantes
andou por uns metros lentamente e, em seguida,
saiu correndo pelos corredores
entre as cadeiras do ginásio
enquanto o auditório irrompia
em frenéticos aplausos para Jesus.

E a cena levou uma menininha que estava próxima
e a tudo observava –
a lembrar que vira aquele homem, quando chegara,
tomando café em pé na padaria em frente ao ginásio
e a desmanchar-se em gargalhadas de euforia
e a querer entrar também no que lhe parecia
a hora do recreio:
disparou saltitante atrás do ex-cadeirante
divertindo-se a valer.

A menina estava ébria, pois era filha de moradores
de rua e tomava também a cachaça dos pais.
Mas o auditório não a enxergava
nem o homem do palco:
estavam em êxtase gospel;
uma gritaria infernal de “glórias a Deus!”
E, passou despercebido também,
que um velho molambento
se engraçou para os lados da menina
quando ela deu sopa diante dele.
Mas, nessa altura, os assistentes de palco
já transitavam entre o populacho
recolhendo as ofertas...
E esse é todo o relato do que aconteceu
no que chamo de festa junina gospel.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,

18 de Novembro de 2014 (06h).

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