domingo, novembro 11, 2007

Canção do Extinto* ou A Subversão de um País que Tinha Futuro

Minha terra produz palmitos
Sob o canto da enxada e da pá.
Tais aves, que já não ciscam,
não derribam aqui, como lá.

Essas aves agourentas
voando nas mãos do homem
são as próprias ferramentas
que a natureza consomem.

Nossa terra tem mais árvores,
e nelas se têm mais frutos.
Nosso solo tem mais mármores,
E nossas casas, mais brutos.

Que será de meu país:
De território tão vasto,
onde o mogno cede ao pasto
e tem gente que se diz feliz?

Nossa abóbada tem mais luzes
mas a Base de Alcântara
foi servida num cântaro:
American Way of cruzes.

Onde estão os amores,
de nossa vida colônia?
Vivemos os estertores
de nossa própria insônia.

Se temos coisas tão boas
nos céus, nos mares, nos bosques
os brasileiros não sentem.
Suas crianças não mentem:
na cultura e no relevo
surge nova Sarajevo.

Minha terra tinha primores
como a ararinha e o sabiá;
o jacaré e o mico-leão
que agora os encontro por cá.
Minha terra ainda produz palmitos
sob o canto da enxada e da pá.

Em cismar a noite do Brasil
de um eco-escatológico negror
mais prazer encontro eu cá.
Onde a vida organizada
não faz do homem e da enxada
um sonho de sabiá.

Não permita Deus que eu morra
sem que veja voltar ao Brasil
dos animais as suas cores:
o azul da ararinha,
o dourado do mico-leão,
o amarelo do papo do jacaré...
E sem que sinta os primores
dessa terra dos meus amores
desse Brasil que ainda existe.

(*) De inspiração óbvia ululante. Nova Friburgo, 29/09/2001 (9h18m).

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